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“O arquiteto paisagista tem síndrome de Deus”, afirma Rosa Kliass


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                          Rosa Kliass afirma que presenciou no Parque da Juventude (foto), em SP, um                             dos depoimentos mais emociantes de sua carreira profissional

  Com papel e uma lapiseira na mão (coisas de arquiteto) Rosa Kliass recebeu a reportagem do Paisagismo em Foco em seu apartamento, localizado na região central de SP, que segundo ela é o seu “Home - Office”. Durante uma hora e meia, de maneira afável e em meio a muitos sorrisos, ela falou sobre a sua formação, seus projetos e o processo de evolução do paisagismo aqui no Brasil. A seguir, os principais momentos de nosso bate-papo.

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                                          Com papel e uma lapiseira na mão, Rosa Kliass recebeu a                                           reportagem do Paisagismo em Foco em seu apartamento

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Porque a senhora decidiu ser arquiteta?

  Essa é a pergunta mais difícil que alguém já fez para mim, porque nem eu sei responder. Até hoje eu não faço a menor ideia. Na época eu não conhecia nem um arquiteto. Eu estava com dezoito anos e não tinha dúvida de que eu iria para a universidade. Eu gostava muito de outras línguas, mas pensei que independente de qualquer coisa, eu teria que estudar línguas e eu realmente estudei [Rosa admite ser mais do que uma poliglota, já que ela tem fluência em italiano, português, espanhol, frânces, inglês e ainda consegue “se virar” no alemão]. Até pensei em fazer física, porém, acabei optando pela arquitetura.

Naquela época, as mulheres que cursavam arquitetura de certa forma sofriam algum tipo de preconceito?

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  No Brasil nunca houve preconceito contra as mulheres, o que houve, foi à falta de inclusão das mulheres. Quando eu entrei na faculdade de arquitetura, já na primeira turma tinham quatro mulheres. Sempre tinha mulheres.  Mesmo trabalhando nas obras, sempre fui tratada com muito respeito e a equipe sempre foi muito solicita. Fui absolutamente aceita sem problema algum. (Risos)

O que motivou você a trabalhar com a arquitetura paisagística? Seriam as aulas do professor Roberto Coelho Cardoso e seu estilo “Californiano”?

  Absolutamente sim. Quando começaram as aulas do professor Cardoso, eu e algumas amigas tínhamos certeza que nós iríamos trabalhar com arquitetura paisagística.

A senhora disse em uma entrevista que se existissem mais dez apaixonados pela profissão como a senhora, a história do paisagismo no Brasil seria bem diferente. Fale sobre essa sua paixão pela profissão e porque afirma que o arquiteto paisagista tem síndrome de Deus?

Entrevista_Rosa_Kliass_12  (Risos) Eu acho que o arquiteto paisagista tem essa “síndrome de Deus” sim. Por quê? Porque nós criamos lugares. Essa é a nossa função: criar lugares. Sobre a minha paixão pela profissão, posso dizer que desde o começo foi algo muito forte. Em 1955, logo que sai da universidade, ninguém iria me chamar para fazer um trabalho de paisagismo. Sem contar, que nós não tínhamos praticamente nenhuma referência, a não ser o Burle Marx, que era do Rio de Janeiro. E é importante entender, que naquela época, o RJ era um mundo e SP era outro. Não existia comunicação, nós sabíamos que tinha o Burle Marx lá, porém, nossa maior referência acabava ficando por conta das referências internacionais. Em determinado momento, eu soube da existência uma organização internacional de arquitetos paisagistas, chamada IFLA (International Federation of Landscape Architects). Entrei em contato com eles e passei a ser membro individual. Um ano depois, eu fui para o Texas, nos EUA, para me encontrar com alguns profissionais “tops” do paisagismo. Conversei com muitos profissionais e discuti a possibilidade de abrir uma associação do setor no Brasil, porém, achava que seria inviável. Retornei ao Brasil e em 1975 fundei a Abap (Associação Brasileira de Arquitetos Paisagistas) – presidida atualmente por Jonathas Magalhães). Em 1976 fui para a Grécia, no congresso da IFLA, levando a Abap como associada. Em 1978, eu fiz um congresso internacional de arquitetura paisagística em Salvador (BA), que contou com a participação de profissionais da Nova Zelândia, Suécia, Japão, entre outros países. Foi um sucesso total. Eu dediquei grande parte de minha vida a profissão. Depois eu fiquei durante doze anos na presidência da associação. Isso mostra o quanto sou apaixonada pela profissão.

De que forma o paisagismo pode melhorar a qualidade de vida das pessoas? Desde o paisagismo residencial aos projetos de escala urbana.

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À direita (Parque da Juventude, SP), à esquerda (Fortaleza de São José, Macapá, MA)

  O que significa a profissão arquiteto paisagista? Significa a criação de espaços. Assim como a arquitetura cria espaços construídos, a arquitetura paisagística vai além, criando os espaços em geral, que consiste na paisagem. E o que é paisagem? É tudo aquilo que podemos ver. Eu deduzo que não existe mais a paisagem natural. De certa forma, todos os tipos de paisagem sofreram intervenções. Através da criação de espaços, o arquiteto paisagista tem condição de oferecer lugares saudáveis, locais agradáveis, direcionando a intenção que nós temos em determinada paisagem. A intenção é criar bem-estar para a população. Qual a intenção de um arquiteto paisagista ao projetar o jardim de uma residência? É saber o tamanho do lote. Será um lote grande ou um lote pequeno? Primeiro precisamos analisar o espaço disponível para realizar o trabalho. Depois nós temos que analisar a situação da família. São casados? Têm filhos? Quando se trata de um parque, por exemplo, devemos pensar na necessidade dos usuários. Quem é a população? O profissional tem que conhecer. Vale lembrar que fazer uma pesquisa pode ajudar muito.

Como senhora define o seu estilo de trabalho e de que forma busca inspiração para elaborar os seus projetos?

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Durante a entrevista, Rosa mostra uma revista estrangeira que a chamou de "Paisagista Rebelde"

  Primeiro que eu não tenho estilo. Sou uma senhora sem estilo (Risos). O que norteia o meu trabalho é algo que eu já disse em algumas palestras, que é a questão do significado. Eu acho que significado e caráter. Se um projeto não tiver significado e não tiver caráter, ele não é bom. Quando estive em Israel para realizar um trabalho, eu observei os projetos feitos naquele país, tive a certeza do quanto o projeto precisa ter caráter e significado. Sem isso, o projeto não é nada. Lá em Israel, pelos projetos que visitei, eu costumo dizer que se você tropeça em uma pedra, você pode achar que é uma pedra no meio do caminho, mas pode ter certeza que tem um significado, lá não tem uma pedra que não tenha significado. É isso que eu busco. Posso dizer que as minhas viagens também foram responsáveis pelas maiores contribuições para a minha carreira profissional.

"O que norteia o meu trabalho é o significado e o caráter de um projeto"

Rosa, a senhora já atuou de norte a sul do país. Qual - ou quais – projeto (s) de sua autoria que a senhora mais gostou?

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O Parque da Juventude, localizado em SP, recebe em média 80 mil visitantes por mês

  O Parque da Juventude, em São Paulo, é um projeto fantástico que aconteceu. O local abrigou durante muitos anos, o presídio conhecido como “Carandiru”, que foi desativado. O uso que ele está tendo é uma maravilha, já que ele é dividido em três grandes espaços: o Parque Esportivo, o Parque Central e o Parque Institucional. Eu tive um testemunho que sem dúvida foi um dos mais importantes da minha carreira profissional. Eu gosto muito de ir ao parque e ver a forma como ele está sendo usado. Atualmente, o ambiente produz uma sensação de paz, alegria, tanto que nós não colocamos grades nas quadras e nunca ninguém pediu para que elas fossem colocadas. Em uma de minhas visitas ao parque, encontrei um casal sentado no banco, cheguei perto deles e perguntei se eles estavam gostando de lá. O rapaz prontamente respondeu: “-Dona isso tinha que ser feito há dez anos”. Eu disse ok, tudo bem, mas hoje o parque está aí e vocês podem aproveitar não é mesmo? Ele respondeu: “-A senhora não entendeu. Eu quis dizer que se este lugar tivesse sido feito há dez anos, muito dos meus amigos não teriam escolhido o mau caminho”. Foi um dos depoimentos mais emocionantes que eu já vi. Outro testemunho que eu tenho de lá, foi um menininho pequeno muito bem vestido, com um sapatinho maravilhoso, com o cabelo todo bem cortado, com um brinquedo bacana, ele estava sentado na areia brincando com um menino que estava provavelmente com o short do irmão mais velho, com a camiseta provavelmente do pai, toda rasgada, sem sapato e estavam ali, juntos. Isso é convivência. Esse é o parque e as suas inúmeras possibilidades de convivência.

De que forma a senhora avalia a evolução do paisagismo aqui no Brasil e o que precisa ser melhorado?

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"Do ponto de vista profissonal da Abap, posso dizer que a ANP faz muita bobagem"

 

 

 

  Eu acredito que o paisagismo teve uma evolução real muito grande. O fato de termos criado a legislação, mesmo que em certo momento, e ter obrigado as escolas de arquitetura a ter a cadeira de paisagismo, já foi uma vitória incrível. Naquele tempo o curso de arquitetura não tinha o módulo de arquitetura paisagística. Atualmente nós temos até o Lato Sensu de paisagismo em uma universidade do Rio de Janeiro. De fato houve uma grande evolução, mas falta muito ainda.  Inclusive, neste momento, nós estamos diante de um embate, contra um projeto de lei que pretende regulamentar a profissão de paisagista, que não é a de arquiteto paisagista. E quem está liderando isto é a ANP (Associação Nacional de Paisagismo) e nós estamos tentando barrar isso. Nossa meta consiste na criação das escolas de arquitetura paisagística, independente das escolas de arquitetura. A graduação ainda não existe. Para ser médico, tem que fazer medicina, para se engenheiro, tem que fazer engenharia e para ser arquiteto paisagista, precisa fazer arquitetura paisagística. Essa é a meta! A ANP faz muita bobagem, do nosso ponto de vista profissional. Eles misturam viveirista com jardineiro. Eu tenho o maior respeito pelos jardineiros e viveiristas, aliás, a maior contribuição provavelmente que eu tive na minha profissão foi devido a um jardineiro, que atualmente é viveirista e chama-se Walter. Para ter o mercado, precisamos ter todo o sistema funcionando. Os profissionais precisam ser capacitados. A Abap associa apenas arquitetos que comprovem que estão aptos a atuar na profissão, por isso, nós garantimos profissionais com nível universitário. Na Alemanha, por exemplo, a arquitetura paisagística veio da agronomia, na Inglaterra, veio do urbanismo e da arquitetura.

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Qual a sua dica para quem pretende ingressar na área?

  A primeira questão é fazer faculdade de arquitetura, não tem outro jeito. Com o diploma de arquiteto, você pode ter a sua placa numa obra, como arquiteto paisagista. A faculdade de arquitetura ainda é o melhor lugar para aprender as informações técnicas e as questões de desenho e percepção. Essa é minha dica!

 

 

Publicações - Livros

- Rosa Kliass: desenhando paisagens, moldando uma profissão (Editora Senac – 2006)

- Parques Urbanos da Cidade de São Paulo (Editora Pini – 1993)

Principais projetos

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                                        A reurbanização do Vale do Anhangabaú, em SP, também foi                                         um projeto de grande destaque na carreira de Rosa Kliass

Plano Preliminar Paisagístico de Curitiba – PR (1965)

Áreas Verdes Recreação para o Município de São Paulo (1968)

Estudos de Áreas Verdes e Espaços Abertos da Cidade de Salvador – BA (1976)

Plano da Paisagem do Município de São Luís – MA (2003)

Projeto Paisagístico da Avenida Paulista – SP (1973)

Reurbanização do Vale do Anhangabaú – SP (1981)

Parque Halfeld – Juiz de Fora – MG (1979)

Parque Mariano Procópio – Juiz de Fora – MG (1979)

Parque do Abaeté – Salvador – BA (1992)

Parque de Esculturas – Salvador – BA (1996)

Parque da Residência – Belém – PA (1998)

Estação das Docas – Belém – PA (1998)

Feliz Lusitânia, Forte do Castelo – Belém – PA (1998)

Pátios do Museu de Arte Sacra – Belém – PA (1998)

Centro de Gemologia, Presídio de São José – Belém – PA (2000)

Parque Mangal das Garças – Belém – PA (2004)

Parque da Juventude – São Paulo – SP (2003 – 2005)

Parque do Forte – Complexo Fortaleza de São José – Macapá – AP (1999-2004)

Parque do Vento – Salvador – BA (2008)

Conjunto de Praças – Catanduva – São Paulo – SP (2007)

PARQUE Memorial Madeira Mamoré – Porto Velho – RO (2007)

Colégio Viscinde de Porto Seguro unidade IV – São Paulo – SP (2001)

Laboratório Fleury – Projeto Horizonte – São Paulo – SP (1998-2000)

Aeroporto Internacional de Brasília – Brasília – DF – 1995

Aeroporto Internacional de Belém – Belém – PA – 1998

Aeroporto de Congonhas – Edifício de Garagem – São Paulo – SP (2005)

Imagens: reportagem Paisagismo em Foco / Divulgação