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“É inadmissível que a profissão de paisagista não seja regulamentada no Brasil”, diz Ricardo Izar


  Nos últimos anos uma nova e grande preocupação mundial surgiu como consequência do crescimento expressivo de centros urbanos, do desmatamento desenfreado e da poluição produzida por nós humanos: o aquecimento global e seus desdobramentos.

  Este assunto passou a ser discutido por todos e muitas soluções têm sido pensadas em prol do meio ambiente. Temos a consciência de que não é modismo ou uma ideia exagerada de ecologistas e ativistas ligados à proteção da natureza. É um problema real, que atinge o planeta como um todo, e que está sendo enfrentado, em diversos níveis, por todos os setores da sociedade.

  Algumas profissões têm vocação natural para atuar de forma direta na integração harmoniosa do homem à natureza e conseqüente preservação do meio ambiente. Dentre elas destaca-se a profissão de Paisagismo, que é uma área que reúne arte e ciência. O paisagista, mais do que criar jardins esteticamente agradáveis, é o profissional responsável por determinar a quantidade e qualidade da massa verde dos centros urbanos, o que altera a umidade do ar, a temperatura, o alimento e abrigo disponíveis da avifauna local. O paisagista indica a pavimentação externa de várias áreas públicas e privadas como passeios, caminhos, calçadas etc., interferindo na impermeabilização dos solos urbanos.

  Atua na elaboração de parques e praças interferindo nas opções de lazer, esporte e cultura dos cidadãos. É quem define a existência ou não de corredores biológicos em áreas urbanas e rurais, interligando as massas verdes existentes. Enfim, o paisagismo interfere diretamente na melhoria da qualidade de vida das pessoas e na preservação ambiental de um modo geral. Historicamente o paisagismo vem sendo desenvolvido por profissionais de diversas áreas acadêmicas, em alguns casos inclusive por profissionais sem formação acadêmica alguma, mas os tempos mudaram.

  O importante paisagista paulista Roberto Burle Marx (1909-1994), responsável pelo projeto de mais de dois mil jardins no Brasil e no exterior, tinha formação em Artes Plásticas, mas dizia ser autodidata em paisagismo. No Brasil temos vários paisagistas muito competentes com formação acadêmica em arquitetura, agronomia e diversas outras áreas. Todos, na verdade, são autodidatas em paisagismo, ou fizeram curso no exterior. Mas como dito anteriormente, os tempos mudaram e o mercado de paisagismo precisa ser organizado no Brasil.

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                      "É preciso regulamentar a profissão e organizar                        o mercado de paisagismo com extrema urgência"

  Até o início do século XX, na maioria dos países, não era exigida formação acadêmica específica para atuar no mercado de paisagismo. Era uma profissão vista muito mais como artística do que científica. No entanto, com o crescimento dos centros urbanos, as evidentes conseqüências nocivas ao meio ambiente, e as necessidades sociais, o paisagismo passa a ter importância tanto artística como científica/técnica, e com isto a profissão de paisagismo começa a ser regulamentada na maioria dos países desenvolvidos e as universidades passam a oferecer cursos superiores específicos de paisagismo. Aqui no Brasil, há poucos anos, instituiu-se em algumas faculdades de arquitetura, agronomia e engenharia florestal a disciplina de paisagismo que é ministrada apenas em um semestre e de forma muito breve e insuficiente. As faculdades de Artes Plásticas e Biologia sequer oferecem esta disciplina. E infelizmente temos ainda pessoas que atuam na área sem o menor conhecimento, o que confunde o consumidor, causa danos à sociedade, ao meio ambiente, e com isto prejudica o mercado de paisagismo brasileiro como um todo. As faculdades de arquitetura, agronomia e engenharia florestal vem tentando ajudar o paisagismo brasileiro, a partir do momento que acrescentaram em sua grade curricular, ainda que de forma tímida, a disciplina de paisagismo. Mas, justamente pelo fato de o paisagismo não ser o foco principal destas faculdades, o esforço é incipiente apenas para preencher a lacuna existente desta profissão. O paisagismo é uma profissão importantíssima e complexa que envolve conhecimentos profundos artísticos e científicos. Precisa ser tratada como atividade única e independente, encarada pela sociedade brasileira com a mesma seriedade e destaque que em outros países do mundo.

  O Brasil vive um momento de forte crescimento imobiliário e reestruturação da infraestrutura urbana em boa parte das cidades, promovido não somente pelos eventos esportivos que iremos abrigar nos próximos anos, mas principalmente pela estabilidade econômica que experimentamos e que se consolida a cada ano. Naturalmente, estes fatores aquecem o mercado de paisagismo e, por esta razão, impõe medidas urgentes com o intuito de organizar o mercado de paisagismo no Brasil.

É imprescindível que o Brasil tenha bons profissionais para atender a crescente demanda. O caminho mais eficiente para obter competência profissional é o da diplomação em curso superior da área específica ministrado por universidades ou faculdades de qualidade. Temos que despertar nestas instituições o interesse em oferecer cursos de graduação, pós-graduação e doutorado para que seus egressos possam atingir o mais alto nível de aprimoramento profissional acadêmico. É preciso também que um órgão fiscalize e garanta a qualidade de todos os profissionais que atuam na área. É preciso enfim Regulamentar a profissão de Paisagismo, e com a máxima urgência.

ENTREVISTA

  A reportagem do Paisagismo em Foco entrevistou com exclusividade, o Deputado Federal Ricardo Izar (PSD), responsável pela criação do Projeto de Lei 2043/2011, que defende a regulamentação da profissão de paisagista no Brasil. Será que o impasse de longa data está prestes a ser resolvido? A seguir, a íntegra de nossa entrevista.

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 Deputado, o que motivou você a defender a regulamentação da profissão de paisagista no Brasil através do Projeto de Lei 2043/2011?

  Sempre tive especial interesse às questões sociais e de preservação ambiental. O ser humano tem necessidade de conviver com a natureza em harmonia. Melhora extraordinariamente nossa qualidade de vida. No entanto, há muitos anos o homem impõe agressões constantes à natureza tanto em centros urbanos como em áreas rurais. O processo de conscientização é forte e amplo, mas não podemos ficar só no discurso. A sociedade civil quer do Poder Público, ações efetivas e rápidas. Tomei conhecimento através da ANP (Associação Nacional de Paisagismo) de que a profissão de paisagista não é regulamentada no Brasil. É fácil compreender que o paisagista tem enorme vocação para atuar na recuperação e melhoria dos centros urbanos no que tange as áreas verdes, a permeabilidade dos solos e a qualidade de vida dos cidadãos. Mas para isto é imprescindível que tenha formação adequada. É surpreendente e, no meu entender, inadmissível que um país com dimensões verdes continentais como o Brasil ainda não tenha regulamentado a profissão de paisagista.

 Aponte os principais benefícios desta lei, tanto para os profissionais, quanto para o mercado de uma forma geral?

  Este Projeto de Lei foi escrito para trazer benefícios a todos: profissionais, mercado consumidor, cidadãos e para a natureza. Com a aprovação da PL2043 apenas pessoas com formação acadêmica adequada poderão se intitular paisagistas e exercer plenamente suas atividades. Estes passarão a ter suas atribuições e condições trabalhistas – piso salarial, benefícios e obrigações - claramente definidos. Isto protege o profissional. Com a regulamentação da profissão as universidades passam a ter interesse em oferecer bons cursos de graduação em paisagismo. A regulamentação da profissão de paisagista traz benefícios para o mercado em geral, porque acaba com as dúvidas e questionamentos com relação a quem é o paisagista. Hoje em dia, conselhos regionais de quatro profissões com formações acadêmicas completamente distintas, permitem que seus egressos atuem na área de paisagismo. São eles: arquitetos, agrônomos, engenheiros florestais e biólogos. Sem mencionar outros tantos que também atuam na área. Esta situação confunde o consumidor e prejudica o bom desenvolvimento do paisagismo no Brasil. Outro ponto importantíssimo é o fato de que com a profissão de paisagista regulamentada, a sociedade terá instrumento Legal para fiscalizar, responsabilizar e punir o profissional que atuar de maneira incorreta. A aprovação da PL2043 protegerá o mercado consumidor. Para o cidadão os benefícios são evidentes. Teremos certamente o aumento de áreas verdes públicas e privadas bem planejadas, mais áreas de recreação e manifestação cultural, resultando em melhor qualidade de vida nos centros urbanos e em áreas rurais. As cidades ficarão mais sustentáveis, mais cheias de vida. E por fim, mas não menos importante, a natureza será beneficiada a partir do momento em que as plantas e a  avifauna passarão a ter maior atenção e destaque no cotidiano urbano.

 O Projeto de Lei 2043/2011, afirma que “é livre o exercício da atividade profissional de paisagista, desde que atendidas às qualificações e exigências estabelecidas nesta lei”. Quais são essas exigências?

 As exigências estão descritas no Art 3º da PL2043 e são:

  • ter o diploma de graduação em paisagismo, ou arquitetura da paisagem ou composição paisagística – estas são as três terminologias utilizadas hoje em dia para definir a mesma profissão, ou;
  • ter o diploma de graduação em arquitetura, agronomia, engenharia florestal, artes plásticas ou biologia, porem acompanhado de pós-graduação em paisagismo ou arquitetura da paisagem. Este item foi assim descrito no Projeto de Lei para que profissionais com formações acadêmicas tão distintas venham a ter conhecimento unificado e mais específico na área de paisagismo.

 Caso a Lei seja aprovada, profissionais que já atuam no setor sem a formação exigida serão prejudicados? De que forma eles poderão se adequar?

  Este é um ponto muito importante. Foi pensado em um período de transição para não prejudicar os profissionais que atuam hoje na área. No Art. 3º - item III alíneas a e b foi abordado este período de transição.

  • Aos egressos de cursos superiores das áreas de arquitetura, agronomia, engenharia florestal, biologia e artes plásticas, com data de graduação de até cinco anos após a data da aprovação desta lei, não será exigida apresentação de diploma de pós – graduação. Assim, os egressos destas faculdades, formados em até 5 anos após a aprovação da Lei serão considerados paisagistas mesmo sem especialização na área de paisagismo. Atualmente, boa parte dos profissionais que atuam no paisagismo estão nesta situação;
  • Aos egressos de cursos superiores de outras áreas que não as citadas acima, com data de conclusão  até a aprovação desta lei, será obrigatória a apresentação de diploma de pós-graduação lato-sensu em Paisagismo ou Arquitetura da Paisagem. Caso algum destes profissionais ainda não tenha tal pós-graduação, deverá fazê-la nos próximos dois anos. Já existem diversos cursos de pós-graduação em arquitetura da paisagem em várias cidades brasileiras.
  • Há ainda os profissionais formados em curso Técnico de Paisagismo. Para estes nada muda. Existe Lei Federal que regulamenta a profissão de técnico em paisagismo.

 Em sua opinião, haverá demanda para cursos superiores específicos para paisagismo? Existe algum estudo efetivo a respeito do assunto?

  Certamente. A demanda já é muito grande e a tendência é crescer ainda mais. Estudos acadêmicos confirmam a teoria de que para observarmos o bom desenvolvimento do paisagismo brasileiro será importante ter a regulamentação da profissão de paisagista. Um destes estudos foi desenvolvido pelo professor Affonso Zuin da Universidade Federal de Viçosa – MG e com o apoio da University of Edinburgh, Scotland - UK. Esta demanda não é só no Brasil, é universal. As grandes potencias econômicas já tem a profissão de paisagista regulamentada e por consequência oferecem bons cursos de graduação em paisagismo, como os Estados Unidos, Canadá, Alemanha, Inglaterra, França, Austrália, Holanda, entre outros países e os que ainda não tem, estão em processo de regulamentação como é o caso da China. É uma profissão importantíssima que requer conhecimentos aprofundados. O paisagismo vem ganhando destaque no mundo inteiro com a constatação de todos os problemas derivados do aquecimento global. Com a regulamentação da profissão, naturalmente os interessados em trabalhar na área procurarão a graduação específica em paisagismo.

 Deputado, quando você afirma no Projeto de Lei que o mercado de paisagismo precisa ser “organizado”, refere-se apenas a questão da formação profissional ou existe algum outro problema?

O cerne de todos os problemas com relação ao desenvolvimento do paisagismo no Brasil é a Regulamentação da Profissão de Paisagista. A aprovação da PL2043 é a forma mais correta, justa, eficaz e rápida de solucionar problemas não só dos profissionais que atuam na área, mas como mencionado acima, a insegurança do mercado em geral, a melhoria de qualidade de vida dos cidadãos e maior proteção à natureza inserida nos centros urbanos.

 Atualmente, o mercado conta com dois órgãos que defendem os interesses dos profissionais que atuam no setor. Em sua opinião, qual é o órgão que deve ter autonomia para ser o responsável pelos paisagistas: a ANP (Associação Nacional de Paisagismo) ou a Abap (Associação Brasileira de Arquitetos Paisagistas)? Por quê?

  Esta é uma questão que não cabe a mim interferir e por tanto opinar. Esta é uma questão que deverá ser resolvida entre as associações.

 A arquiteta Rosa Kliass, fundadora da Abap, afirmou em entrevista exclusiva ao Paisagismo em Foco, que pretende barrar através da justiça, o seu projeto de Lei. Do ponto de vista defendido por ela, apenas os arquitetos teriam formação suficiente para trabalhar com paisagismo. De que forma pretende resolver esta questão?

  O fato de a disciplina de paisagismo ser ministrada ao longo de um ano na graduação de arquitetura e urbanismo – que por sua vez é de cinco anos – me parece extremamente importante e necessário para a adequada formação do arquiteto, pois este projeta edificações inseridas na paisagem. Estudantes de arquitetura recebem ensinamentos sobre estrutura e luminotécnica, não por isso são mais preparados para atuar na engenharia civil do que os engenheiros que recebem ao longo de 5 anos conhecimentos aprofundados e específicos em sua área. A grade curricular dos cursos superiores de paisagismo que serão criados deverá ser definida pelas universidades, pelo MEC e com o apoio da Associação que representar a categoria. Com certeza será infinitamente mais completa, aprofundada e específica em paisagismo do que o ensinado em outras graduações. Atualmente, existe o curso superior em Composição Paisagística da Universidade Federal do Rio de Janeiro – cujo patrono foi o Arquiteto Fernando Chacel falecido no ano passado e teve total apoio de Roberto Burle Marx, ambos ícones do paisagismo brasileiro. O curso tem 30 anos de existência, mas no ano passado foi avaliado e aprovado com ótima nota pelo MEC. Este curso sim forma paisagistas. Graduações em arquitetura formam arquitetos. O CAU permite que arquitetos atuem na área de paisagismo, mas são arquitetos, não paisagistas. Isto não será alterado com a aprovação da PL2043. Arquitetos continuarão podendo atuar na área do paisagismo, porém como arquitetos, que de fato são, não como paisagistas. Para serem considerados paisagistas precisarão de especialização. A PL2043 regulamenta a profissão de paisagista. A única questão que não podemos ser favorável é com a reserva de mercado.

 Qual a situação atual deste projeto de Lei? O que falta para que ele seja aprovado?

  O PL 2043/2011, foi distribuído às seguintes comissões: Trabalho Administração e Serviço Público, distribuído à relatora Deputada Flávia Moraes, que ainda não apresentou relatório; e, posteriormente será encaminhado para a Comissão de Constituição e Justiça.

Contato: Este endereço de email está sendo protegido de spambots. Você precisa do JavaScript ativado para vê-lo.

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*Com trechos da PL 2043/2011, disponível no site da Câmara 

Imagens: divulgação